Centro de Educação - PPGE /UFES
Questões Atuais da Educação
CARTOGRAFIAS DOS ESTUDOS CULTURAIS: Uma Questão Latino-Americana
(Ana Carolina D. Escosteguy)
INTRODUÇÃO
O texto toma como ponto de partida a tese de doutoramento apresentada na ECA da USP, em março de 2000. A autora pretende traçar um mapa mínimo dos estudos culturais (EC); considerando como item central de análise e interlocuções a perspectiva inglesa (com ênfase para os escritos de Stuart Hall); e a perspectiva latino-amerciana, representada por Martín-Barbero e Canclini. O trabalho consiste, pois, em propor uma articulação entre os autores latino-americanos citados e os estudos culturais, sobretudo em sua vertente britânica. Adota, de certa maneira, um ponto de vista historicizado, procurando articular comunicação e cultura. Enfatizamos que as obras utilizadas como referência bibliográfica foram publicadas até o ano de 1999.
ESTUDOS CULTURAIS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA
Uma narrativa possível ou a versão britânica
Os estudos culturais (EC) surgiram na Inglaterra, no final dos anos 50. Richard Hoggart funda em 1964 o Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS). É um centro de pesquisa de pós-graduação ligado ao Departamento de Inglês da Universidade de Birmingham. Os EC não configuram uma "disciplina", mas uma área onde diferentes disciplinas interatuam, visando ao estudo de aspectos culturais da sociedade. Os “pais fundadores” e seus textos considerados como fontes dos EC são: Richard Hoggart com The Uses of Literacy (1957); Raymond Williams com Culture and Society (1958) e E. P. Thompson com The Making of the English Working-Class (1963). Stuart Hall, apesar de não fazer parte do trio fundador, exerce uma importância unanimemente reconhecida na formação dos EC britânicos. Substituiu Hoggart na direção do Centro, de 1968 a 1979.
Nas décadas de 80 e 90, os EC se descentralizaram geograficamente e seu objeto de estudo continuou cada vez mais diversificado, perpassando as relações entre cultura contemporânea e a sociedade, os meios de comunicação de massa e a pluralidade na constituição de identidades culturais.
A construção de uma narrativa ou uma versão latino-americana
Escosteguy delineia o contexto dos EC na América Latina (AL) utilizando como referências Nestor Garcia Canclini e Jesús Martín Barbero. Na AL ocorre um desenvolvimento singular, mas com algumas afinidades com os EC da Inglaterra. Escosteguy toma como ponto de partida a análise de formas culturais contemporâneas num determinado estágio do capitalismo, formulando respostas particulares à inserção das indústrias culturais na vida cotidiana. Os EC na AL questionam a produção de hierarquias sociais e políticas, de tudo aquilo que se apresenta como universal, propondo também um olhar interdisciplinar que entende os processos culturais como interdependentes e não como fenômenos isolados. Apesar do lócus de seu surgimento ter sido o ambiente acadêmico, houve um entrelaçamento com um momento conjuntural de redemocratização da sociedade e de observação intensa da ação dos movimentos sociais da época.
A autora ainda fala que a experiência do popular vinculada ao espaço da comunicação foi a protagonista da emergência dos EC no contexto latino americano. Por esta razão, o objeto preferencial de estudo desta perspectiva se concentra no espaço do popular, das práticas da vida cotidiana, fortemente relacionado com as relações de poder e conotação política.
DE IDEOLOGIA PARA HEGEMONIA
A abordagem dos meios de comunicação na Inglaterra partiu da aproximação entre estruturalismo marxista (voltado para estruturas de dominação) e culturalismo (que considerava a cultura um nível no qual as desigualdades sociais são produzidas e contestadas), enquanto na AL prevaleceram questões sobre produção (produçãoðcirculaçãoðrecepção) e ideologia (considerando a comunicação como processo de dominação e, posteriormente, a dominação como processo de comunicação). O ponto de convergência dá-se através da incorporação do conceito de hegemonia de Gramsci.
O POPULAR COMO OPÇÃO POLÍTICA
Escosteguy descreve a pesquisa dos EC e suas implicações teóricas, políticas e intelectuais a partir das interrelações entre domínios culturais e outras formulações discursivas no cotidiano. A idéia de cultura popular está associada a nacionalismo, modernidade, formação de identidade nacional em um contexto de industrialização e democratização.
Hall relaciona a cultura popular ao campo político.Para Barbero temos que romper com a idéia de que o massivo é reprodução ideológica. O popular para Canclini não deve ser visto como objeto, mas como posição prática, sendo seu valor construído nas relações sociais, buscando caracterizar a heterogeneidade da AL como uma articulação complexa de tradições e modernidades em um continente formado por países onde coexistem múltiplas lógicas de desenvolvimento, propondo uma análise híbrida- intercultutral.
Formas de engajamento intelectual
Barbero incorpora a dimensão histórica na pesquisa em comunicação para recuperar a história dos processos culturais como articuladores das práticas comunicativas com os movimentos sociais.
Para Canclini é necessário compreender a conjuntura da AL através de uma perspectiva pluralista das fragmentações e das composições entre modernidade, tradição e pós-modernidade. Ressalta ainda a relação entre consumo cultural e pesquisa sobre política; cultura e consumo popular.
Para Hall, a relação teórico-política nos EC britânicos sempre existiu, uma política entendida como prática significativa e poder. Assim, os EC são um modo de politizar as práticas intelectuais e examinar as relações entre povo e poder. Enquanto Barbero entende a investigação como atividade crítica acompanhada de um projeto político de participação popular.
IDENTIDADES CULTURAIS: UMA DISCUSSÃO EM ANDAMENTO
Este capítulo aborda o pensamento da tríade de autores: Stuart Hall, Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini. Trata-se de uma análise sobre a constituição das identidades culturais no contexto da modernidade, pós-modernidade e globalização. Utiliza o estudo da comunicação a partir da cultura como forma de abordagem da temática proposta.
A TÍTULO DE CONCLUSÃO
Escosteguy compara os EC da AL (Barbero e Canclini) com os britânicos (Hall) e conclui que ambos apresentaram forte vinculação a uma base social; influência do pensamento gramsciano; engajamento de intelectuais dos movimentos políticos alternativos; intensas relações entre cultura e poder, mas sempre com um objetivo de mudança social; descentramento do sujeito como um traçado pós-moderno na constituição das identidades; hibridismo; crítica ao essencialismo; entrelaçamento entre o estudo das relações sociais e o sistema que a produz e consome (sociedade, política e economia). Na atualidade há uma sinalização para um esmaecimento dos laços entre política e EC.
Escosteguy sugere que os EC pensem em (re)construir uma forma de análise em que os sentidos e as identidades sejam negociados socialmente em formações econômicas e ideológicas mais amplas; estabeleçam um diálogo mais profícuo com os estudos políticos (sociedade civil e cidadania); repensem seus rumos, suas potencialidades no campo acadêmico, possíveis implicações de utilidade política no debate público → articulação entre crítica cultural e política, resultando numa melhor versão dos EC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário